A esse desafio somou-se outro alguns anos depois: o de desenvolver uma dramaturgia que figurasse as condições reais do país, e que o fizesse a partir de uma perspectiva crítica e não meramente cronística. Estava-se então em 1958, e desse momento em diante as etapas que se seguiram configuraram transformações fundamentais para a dramaturgia tanto sob o ponto de vista da matéria representada como de seus parâmetros formais e estilísticos.
O projeto do TAPA na ocupação do Teatro de Arena propõe-se a dialogar de três maneiras com essas etapas e com seu significado histórico: revisitando peças que integraram tanto o repertório do Arena como o seu próprio em algum momento; introduzindo peças contemporâneas condizentes com o espaço cênico; e incorporando montagens voltadas também ao público escolar e infantil. Neste último aspecto em particular o grupo ao mesmo tempo repassa a experiência do Arena em montagens de sua primeira fase, retoma o ponto de partida de seu próprio percurso profissional, em 1979, e remete ao Panorama do Teatro Brasileiro, que desenvolveu durante os anos 90.
A confluência entre o projeto ora apresentado e a história do Arena não resulta só da programação de títulos em comum: o processo de estudo interno que caracteriza o TAPA, e que tem mantido em foco peças de Machiavelli, Martins Pena, Tennessee Williams e Pirandello, representa em si uma forma importante de trabalho que evoca, em muitos pontos, o processo formativo do Arena ao longo de seu trabalho. A montagem de “O longo adeus”, de Tennessee Williams, reporta-se à peça de estréia do Arena, traduzida por Esther Mequita como “O demorado adeus” e dirigida por José Renato em 1953. A comédia social de Martins Pena, mais uma vez pautada pelo TAPA, teve papel importantetambém no Arena em seus anos iniciais. “A Mandrágora”, de Machiavelli, que integra o repertório do TAPA, traz à pauta a fase de nacionalização dos clássicos do Arena, na primeira metade dos anos 60.
Algumas outras peças dos autores desses títulos comuns aos dois grupos foram programadas agora pelo TAPA em sua ocupação do Teatro de Arena: é o caso de “Alguns Blues do Tennessee”, coletânea de três peças em um ato de Tennessee Williams (“O quarto escuro”, “Verão no lado” e “A dama da loção antipiolho”) já anteriormente encenada em traduções dos próprios atores, e de “Out Cry”, inédita e que estreará em tradução também feita pelo TAPA. De Pirandello, outro dramaturgo cujo trabalho tem sido objeto de estudo interno continuado, as duas peças programadas, “Amargo Siciliano” e “De um ou de nenhum”, foram igualmente traduzidas pelo grupo e exaustivamente revisadas durante os ensaios.
A caracterização de uma confluência com o trabalho do Arena se dá, em todos esses casos, não só pela importância histórica desses textos ou por suas possibilidades interpretativas específicas, mas também - e principalmente - pelo papel que o próprio projeto de encená-los desempenha para os atores e público do TAPA, na correlação histórica entre seu trabalho e o do Teatro de Arena.
Maria Sílvia Betti