Na última sexta-feira, uma tentativa fracassada de golpe militar surpreendeu a Turquia. Locais estratégicos em Istambul – como o aeroporto e a ponte no estreito de Bósforo – foram fechados e vigiados por tanques. Prédios governamentais em Ancara foram alvo de disparos, inclusive a sede do Parlamento. A tentativa de golpe gerou confrontos nas ruas, deixando cerca de 290 mortos e mais de mil pessoas feridas.
A tentativa de golpe ocorre em meio à crescente concentração de poder por parte do Presidente Recep Tayyip Erdogan e seu partido AKP (Justiça e Desenvolvimento). O governo Erdogan atribui a orquestração do golpe ao clérigo Fethullah Gülen, radicado nos EUA. Gülen é líder de um movimento de corte islâmico e liberal, chamado Hizmet, que contém representações (escritórios, jornais e escolas) em mais de uma centena de países, inclusive no Brasil. Nesta linha, a tentativa de golpe seria uma forma de antecipação, diante da já sabida intenção de Erdogan de defenestrar pessoas ligadas a Gülen.
Outra hipótese divulgada pela mídia seria que o próprio Erdogan poderia estar por trás deste episódio, como forma de legitimar sua crescente concentração de poder e o afastamento de adversários já planejados pelo governo. O fato é que a tentativa frustrada partiu de uma parcela minoritária das forças armadas, sobretudo soldados e alguns oficiais. A princípio, não há evidências de que os altos postos do comando militar estivessem envolvidos. Outro fato é que, após o episódio golpista, notícias diárias apontam o afastamento, demissão e/ou prisão de milhares de soldados e algumas centenas de oficiais militares e juízes. Segundo o jornalista Patrick Cockburn, o mais provável é que Erdogan esteja tirando proveito de uma tentativa real de golpe para afastar adversários.
A tentativa de golpe e a reação do governo são preocupantes porque dão base para legitimar a intensificação deste tipo de medida. Com efeito, ainda na noite da última sexta, instalações físicas do Partido Popular Democrático (HDP), partido de esquerda, com ampla participação curda, mas também turca, foram atacadas, bem como militantes do partido e de outros movimentos sociais. Em comunicados e entrevistas, o HDP condenou a tentativa de golpe, mas também tem denunciado a repressão por parte do governo e alertado para a intensificação de medidas autoritárias.