DAVID GONÇALVES E O SANGUE VERDE
Ainda estou um pouco sem fôlego depois de ler “Sangue Verde”, esse estupendo romance de David Gonçalves, simpático e prestativo escritor que vive na cidade de Joinville/SC, e que mais de uma vez já me surpreendeu por outros grandiosos romances.
Havia como que uma expectativa indefinida a respeito da publicação de “Sangue Verde” – o que seria, como seria... Já conhecendo o talento do autor, esperava muito, mas apesar de “Germinal”, de Emile Zola , de “Terras do sem fim”, de Jorge Amado, de “Garabombo, o invisível”, de Manuel Scorza, não estava devidamente preparada para o impacto que o novo romance de David Gonçalves traz.
A gente o abre pensando que vai conhecer curiosidades de um garimpo na Amazônia e das febres do ouro que ocasionou coisas como Serra Pelada, transformada, no final, num pacífico lago – mas, de surpresa em surpresa, de personagem em personagem, de impacto em impacto, que vai desde uma sucuri imóvel num banhado como um pau, semanas e semanas, esperando para comer uma menina, passando pela pureza infinita de um biólogo que ama macacos, plantas e tudo o mais que é natureza, e que de tanto amor se torna ingênuo a ponto de ser transformado num fora da lei, e mergulhando fundo em personagens abjetos e podres como o poderoso senador da bancada ruralista e outros, tão perdidos, tão perdidos, como os já sem esperanças índios alcoólatras, com suas culturas roubadas por missionários mal intencionados e servindo de alvo para as certeiras balas de fazendeiros sem escrúpulos que lhes roubam a mata, a dignidade e a vida, e como o pastor violento e corrupto que serve ao deus dinheiro – seria impossível enumerar aqui tantos e tão perfeitos personagens nessa tão bem alivanhada, costurada e entretecida trama, que não deixa um fio solto e que me deixou como que besta de admiração ao lê-la.
“Sangue Verde” é o retrato do Brasil e das barbaridades do capitalismo; diria mais: é o retrato da América dita Latina, esta Abya Ayala macerada pelo jugo do imperialismo há mais de quinhentos anos e esmagada sob a bota do capital, e a gente vai lendo o livro e vai identificando os personagens, as coisas, os fatos, e quase que se reconhecendo na trama. A sensibilidade de David Gonçalves consegue trazer para o livro até o grande herói juiz de direito correto, capaz de morar dentro do fórum para salvar a pele enquanto não transige de forma nenhuma com a justiça, e que a gente viu de verdade na televisão como coisa espantosa. Talvez na nossa cabeça que vê televisão tivéssemos imaginado tal juiz já assassinado, ou já corrompido – ledo engano. Vivíssimo, o juiz dorme num colchonete dentro do fórum e é como um sopro vivificador a sua trajetória dentro do livro, e de fininho ele acaba saindo do livro para outras cidades, outros fóruns, onde decerto está a batalhar por justa justiça neste momento em que escrevo, sem temor e nem tremor, límpida fonte de água pura a fluir dentro do grande lodaçal capitalista.
Os personagens de “Sangue Verde” são intensos, vivos, cheiram a suor, a sabonete barato, a uísque e a cachaça, a pastel gorduroso, a defuntos com ninho de formiga no olho direito, a sensualidade, a amor.
Soube que David Gonçalves muito viajou para a região amazônica e outras para poder compor o livro e os tantos desdobramentos em personagens – valeu, David, como valeu! É deste tipo de material que se formam os grandes escritores; é deste teu cerne capaz de arriscar tudo para contar bem contada a história que, na verdade, é a história do dia a dia, que acabam acontecendo os escritores que realmente deixam sua marca no planeta.
E, para não decepcionar ninguém, até parece que ele escreveu o final para mim, que acredito que “um mundo melhor é possível”. Que sacada, companheiro, final para ninguém botar defeito, nem gregos e nem troianos.
É claro que escrevi isto aqui para recomendar que se leia “Sangue Verde”, que eu nem vou contar o que significa.
Penso que já deve estar nas melhores livrarias, e se não estiver, o e-mail do David é david.goncalves@uol.com.br, e ele também está no facebook, e atende a encomendas, pois eu já andei encomendando e veio direitinho. O preço é de R$40,00, e só vale a pena.
Blumenau, 21 de julho de 2014.
Urda Alice Klueger
Escritora, historiadora e doutora em Geografia pela UFPR.